No roteiro mais comum nos biocombustíveis, os empresários migram da terra para as usinas. Ou seja, começam em atividades agrícolas, e, a partir de certo volume, se interessam por direcionar parte da produção para a fabricação de biodiesel ou etanol.
O Grupo Potencial fez a trajetória contrária: primeiro vieram os combustíveis, depois a atividade agroindustrial.
“Somos um caso à parte. Migramos do varejo de combustível fóssil para a distribuição e, depois, para o biocombustível”, explica Carlos Eduardo Hammerschmidt, o Dudu, vice-presidente da empresa.
Ele é a terceira geração da família. Perguntado desde quando está envolvido com a Potencial, responde com um simbólico “desde que nasci”. Após ocupar diferentes cargos, tornou-se vice-presidente em 2023.
A aposta no etanol de milho
Produzindo biodiesel desde 2012, a empresa — hoje um conglomerado que justifica o “Grupo” no nome — se prepara para entrar no etanol de milho.
Com investimento de R$ 2 bilhões, vai construir uma biorrefinaria em Lapa (PR), na região metropolitana de Curitiba. A estrutura será instalada junto da atual fábrica de biodiesel e de uma esmagadora de soja em fase avançada de construção.
Uma vez em operação, em 2028, o parque industrial vai processar até 3 mil toneladas de milho por dia. Com isso, vai produzir até 450 mil litros de etanol de milho por ano, além de subprodutos, como o DDG, usado em rações animais, e o óleo, matéria-prima para o biodiesel.
O investimento, que deve ser feito com recursos próprios, inclui dois silos com 150 mil toneladas de capacidade cada um para guardar milho, que se somam a dois silos pré-existentes para soja, além do capital de giro que permitirá iniciar a operação imediatamente após o fim da obra.
A nova planta ainda vai produzir 25 mil metros cúbicos de biogás por dia, além de gerar energia elétrica para o complexo e para venda. E terá uma caldeira fluidizada, que alterna biomassa e biogás de acordo com a disponibilidade.
“A ideia é ter a maior diversidade de produtos renováveis possível”, diz Dudu.
Pés no chão
Com isso, o histórico de investimentos no complexo chegará a R$ 6 bilhões. Nada mal para uma empresa que nasceu como um posto de combustíveis em 1954, na colônia de Mariental, em Lapa (PR), criado por Eduardo Pedro, avô de Dudu, hoje presidente do Conselho.
Com o tempo, o posto Potencial cresceu e virou uma rede com foco em rodovias — no auge, a empresa chegou a ter 250 unidades.
Depois, em 1994, transformou-se em uma distribuidora, sob a liderança de Arnoldo, atual presidente do Grupo Potencial — filho de Eduardo Pedro e pai de Dudu.


Naquele ano, uma mudança normativa abriu o mercado brasileiro, até então restrito à estatal BR Distribuidora e a multinacionais, como Shell e Texaco. Assim nasceu o Grupo Potencial.
A operação de postos se mantém, com mais de cem unidades no Sul e Sudeste. Mas a empresa se desdobrou em mais verticais: além da distribuidora Potencial Petróleo e da Potencial Biodiesel, há a BWT Logística e Transportes, focada em transporte de produtos líquidos e químicos, e a BWI Trading.
Existe ainda uma frente de revenda de combustíveis diretamente ao consumidor final em mercados como agro, indústria e transportes. No total, são mais de 2 mil clientes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
No trilho dessa estratégia, a empresa faturou R$ 12 bilhões em 2024, com Ebitda de R$ 848 milhões. Seu plano é elevar a receita a R$ 20 bilhões até 2030, consolidando a posição regional e alçando novos voos em âmbito nacional.
A avenida de crescimento, diz Dudu, será o etanol de milho. “Temos uma visão em 360 graus, conhecemos o varejo de etanol, e o Paraná é o segundo maior produtor do grão no Brasil. Com essa bagagem, achamos oportuno entrar nesse mercado.”
Mas neste e em outros guidelines, o grupo avança sob um lema: devagar e sempre, e com os pés no chão. Segundo o vice-presidente, a prioridade é crescer investindo com capital próprio, sem se alavancar em um momento de Selic nas alturas.
A ideia da empresa é seguir familiar e fechada, sem IPO ou novos sócios. Mas nesse aspecto, Dudu prefere o “nunca diga nunca”: “Temos conseguido investir com a geração de caixa e pequenos empréstimos, mas a gente nunca sabe o futuro.”
Nada se perde, tudo se transforma
A receita para atingir os objetivos ambiciosos passa por um modelo de distribuição via dutos, além de uma estratégia “zero resíduo” que soma um bem-vindo toque ESG à operação.
Segundo o executivo, a distribuição de 100% da produção de biocombustíveis via dutos será um diferencial. A companhia contratou a construção de 55 quilômetros para ligar o parque industrial aos canais das distribuidoras locais.


“O bombeio permite entregar ao cliente exatamente o volume de seu pedido, que pode ser ajustado dia a dia, conforme a demanda. E, ao dispensar o modal rodoviário, reduz a emissão de CO2 e diminui custos e acidentes”, afirma Dudu.
Outro diferencial é que, em Lapa, nada se perde e tudo se transforma — a exceção, que vale para todo o mercado, é o sal com metais pesados que sobra ao fim do processo.
Nessa circularidade “zero resíduo”, o milho será esmagado e fermentado para virar etanol, restando farelo e óleo. O primeiro será vendido para ração animal — 40% no País e 60% para exportação, nas contas da empresa. O segundo terá duplicada a capacidade atual, de 3,5 mil toneladas por mês para 7 mil, e vai virar biodiesel.
“Tem ainda o CO2 alimentício, que vamos vender para a indústria de food. E ácido graxo, borra e glicerina, que vamos usar para fazer óleo sintético”, explica Dudu.
Os planos incluem produzir glicerina refinada. A capacidade projetada pode fazer do Brasil o segundo produtor global desse componente usado em produtos farmacêuticos e alimentícios e na construção civil — a China é o principal cliente.
A empresa projeta ainda não mais descartar efluentes. “Vamos tratar a água contaminada e usar na operação de biogás. Mais uma vez, aproveitando o que seriam resíduos.”
Vai ficar pequeno para a cana
O vice-presidente do Grupo Potencial também enxerga uma tendência de mudança, e rápida, na matriz do etanol brasileiro, da cana para o milho.
“Uma tonelada de milho produz 450 litros de etanol, enquanto uma de cana produz 90 litros. E os subprodutos têm mais valor agregado. Além disso, o milho tem duas safras por ano, às vezes três, contra uma só da cana. Creio que a mudança vai ser rápida.”
Questionado, ele diz que o relacionamento entre o governo e o setor “melhorou muito nos últimos dois anos”. Mas defende maior rigor do setor público com relação aos cronogramas de mandatos previstos na Lei do Combustível do Futuro (14.993/2024).
Em sua visão, a produção de etanol de milho no País, de 40 bilhões de litros ao ano, pode chegar a 80 bilhões em 2035, ao encontro da demanda crescente e de novas tecnologias, como o combustível de aviação (SAF) e marítimo.
Dudu crê que o Grupo Potencial pode surfar a pujança do etanol de milho mesmo diante de competidores fortes, como Inpasa e FS. “Tem espaço para todo mundo. Terá vantagem quem tiver menos endividamento, o que permite comprar matéria-prima com mais fluidez.”